Carta
de um Pai...
...ao Gael
Ao
Gael,
Poucas
vezes me dispus a escrever sobre algo, pra dizer a verdade, em
pouquíssimas ocasiões me arrisquei em deixar no papel algumas
considerações, cartas ou impressões. Agora, como leitor, sou
exagerado, tenho vontade de comer livros, tenho a terrível
predisposição para os grandes clássicos, os que realmente me dão
trabalho pra digerir, e olha que jamais tomei um antiácido por causa
deles.
Sou
compulsivo por leitura, muitos sabem, mas das poucas vezes que deixei
algo escrito, algumas poucas pros meus pais, algumas outras para meus
avós, outras mais pra minha mãe, e claro, algumas pequeninas cartas
para a Vanessa. Diz ela que sempre gostou do que eu escrevia.
Escrevi
também uma pequena orelha de um livro de crônicas do meu pai, e não
sei se ele gostou, mas agora é tarde. Mas o que realmente deixei
escrito em forma de relato, de forma mais extensa, foi sobre minha
segunda viagem, desta vez solitário, pra Rússia, e depois, rumo à
Sibéria, onde sozinho passei por poucas e boas, até chegar ao lago
Baikal, na divisa com a Mongólia em junho de 2016.
Essas
impressões foram publicadas no blog da minha irmã, chamado “vem
comigo”, e diz ela que fez sucesso. Realmente, muitas pessoas
chegaram pra mim e diziam sempre a mesma coisa, que era “legal e
tal”, outros “que loucura”, mas ao final diziam sempre uma
simples palavra, que era “Porque?”, sempre o “porque”. Com
isso, eu pensava sempre e ainda penso que muitas coisas que faço não
precisam de motivação, pois ela, por si só, já é parte do que eu
sou, e não cabe ficar pensando racionalmente o que te leva a fazer
algo, quando o algo que tenho é pré-existente, infinito e tão
forte que basta meu desejo, carente de motivação, carregar meu
corpo pra viajar pelos grotões desse mundo.
Mas
acho já meio confuso isso tudo que escrevo agora, mas quem quiser
ler sobre a Rússia e sobre a Sibéria é só acessar o blog da minha
irmã, quem sabe alguém goste, pois como acho que já falei, não
tenho redes sociais, e nunca tive.
Voltando
ao que importa, dessa vez escrevo por motivo diverso, motivo este que
eu não poderia deixar passar batido, dessa vez escrevo não sobre
viagens, mas sim sobre desejos, de certa forma já nostálgicos, que
acho que valem ser escritos para uma pessoa que ainda vai demorar um
pouco pra ler, um pouco mais para entender, e bem mais para
concretizar um pouco de tudo que desejo e hoje sinto que devo deixar
escrito, pois se hoje estou com 38 anos, não sei se estarei aqui
daqui vinte, trinta anos, e se estiver, muito menos saberei de minhas
condições de saúde. Acho, eu só acho, que serão boas.
Considerando
então que essa pessoa que está por vir, daqui a uns poucos anos, já
conseguirá ler, e daqui mais uns bons anos terá maturidade pra
começar a realizar e entender, por lógica, estarei com
aproximadamente 58 anos de idade, idade esta que hoje me intimida
quando eu lá chegar.
Então,
quando ele, o Gael, meu filho, que logo virá, estiver com vinte
anos, estarei com 58, ou melhor, 59, e quando ele estiver com 30,
então estarei com 69 anos, mas vou parar por aqui com essa contagem
cruel.
Portanto,
esta é uma carta pra você Gael, de um pai um pouco tardio, que
espera que você tenha sempre esta carta, a guarde com você desde
cedo, a leia quando conseguir, e a entenda quando puder.
Saiba
que a escrevo por receio, é verdade, de não saber se poderei estar
sempre com você por tanto tempo pela frente, que você ainda terá.
Escrevo sim por receio, mesmo que bobo, de que eu não possa, por
qualquer motivo, estar próximo de você nas décadas que virão,
escrevo também já por nostalgia de momentos que vivi, e que desejo
que você um dia vivencie alguns que seu pai já viu, sentiu e
vibrou.
Escrevo
esta carta e saiba que ela não vai se perder com o tempo, sua mãe
terá uma cópia, sua tia outra, e deixarei ainda em algum arquivo
eletrônico, apesar da minha desconfiança enorme sobre o patético
mundo virtual, para algumas coisas ele tem sua utilidade.
Mas
ainda sim Gael, pra não ter erro, deixarei uma cópia em plastificada
guardada dentro de uma mala retrô que tenho na sala de casa, de
madeira, que ganhei quando eu tinha 19 anos. Lá vai ter outra cópia,
portanto, não a perca. Tenha-a perto de você. Às vezes leve-a na
sua mochila pra escola.
Por
tudo que disse, vi razões então fortes o bastante para escrever uma
carta pra você Gael, que ainda está dentro da barriga da sua mãe,
que já tão bem cuida de você, e que carregue os meus desejos da
forma que você consiga entendê-los, carregue-os de forma leve, sem
responsabilidades, e saiba que se eu puder estar com você, melhor,
mas se não, vá por nós e aproveite e aproveite o caos de tudo.
Saiba
Gael que muitos dos sonhos que realizei eu já tinha mais de trinta
anos, portanto, toda essa jornada é um processo contínuo e longo,
então, quando estiver com seus mais de trinta anos, estarei já
próximo dos 70, se tudo der certo pra mim. Então se eu aqui
estiver, e não puder estar com você em um dado momento de sua vida,
mande fotos que eu viajarei junto de você.
São
muitos desejos que quero escrever aqui pra você Gael, e nem sei
também se a palavra certa é desejo, mas aqui vai uma lista de
coisas que realmente podem fazer de você uma pessoa mais profunda,
mais conectada com o real, mais mundano, mais forte, mais tolerante e
mais responsável com as grandes causas da vida, no sentido de se
deixar permitir quebrar um dia a barreira que separa os Homens dos
meninos.
Outra
coisa que tenho que deixar claro pra você e pra todos os que
passarem os olhos nesta carta, é que não a escrevo como se fosse
por medo da morte, pois da morte só sinto pena, nem por fatalismo
exagerado, a escrevo por mineiro desconfiado que sou, e na certeza de
que de alguma utilidade ela possa servir.
Saiba
que a cabeça de seu pai é muito confusa, e o maior esforço que
faço é agora, para tentar organizar isso que escrevo, mas vou
tentar. Então vamos lá.
Desejo
que você saiba de sua Terra, de suas origens. Saiba que Lavras é
considerada a “Terra dos Ipês e das Escolas”, e espero que
continue sendo. Saiba que não importa onde você esteja e onde quer
que você chegue, ela sempre será sua cidade natal, e orgulhe-se
disso. Saiba que ser Mineiro é saber que Minas é um mundo, o mundo
da gente. Minas é grande, Minas é antes de tudo um Estado de
espírito, Minas são muitas meu filho. Saiba que mineiro de verdade
não perde o trem, eu mesmo nunca perdi Gael nos vários que peguei,
e isso um dia vai ser muito importante pra você, pois coisa boa sim
é andar de trem pelo mundo. E o mineiro diz: Ô trem bão sô!!!
Saiba
e procure saber quem foram seus bisavós, saiba onde moraram, quem
foram, mas já te digo que foram muito bons pra mim, e olha que você
ainda tem uma bisavó que continua firme e forte aos 91 anos chamada
Edméa, que mora em uma linda casa com o mais belo jardim no centro de
Lavras. Ela só não se tornou a Rainha do Reino Unido pelo fato de
ter nascido em Perdões. Azar dos Britânicos.
Os
meus avós Gael, todos eles, tive o prazer de conviver. Lembro de
muitos e muitos detalhes dos dias que passava com eles. E foi duro
demais pra mim quando partiram. Lembro bem que aos meus doze anos de
idade foi a primeira perda de um vô. Pra mim ele se chamava Vô
Lasmar, e ele foi quem primeiro me colocou em um avião monomotor
fragilíssimo e mais leve que o vento aos cinco anos de idade para
dar uma volta sobre a cidade, e isso não me sai até hoje da mente.
Foi puro pavor e amor ao mesmo tempo. Você não imagina a paixão
que sinto por aviões desde então, sua mãe sabe.
Tive
o privilégio de jogar tênis com o seu bisavô chamado Vô Paulo, no
Lavras Tênis Clube, quando ele, com 65 anos de idade mais ou menos, e
eu com uns treze, sendo que ele havia parado de jogar há uns vinte
anos. Ou seja, depois de vinte anos parado, chamei um dia meu
vô à quadra, e não sei por quais motivos ele aceitou meu convite,
e ele foi com sua velha raquete de madeira e sorriso no rosto bater
bola comigo Gael. Foi incrível. Deixei ele fazer uns pontos em mim.
Quando
seu bisavô Paulo partiu, eu já tinha 20 anos de idade, e novamente
foi duro, só que nessa idade eu já tinha a tendência de engolir o
choro. E torci muito pra ele partir, pois o sofrimento dele já era
demais. o Alzheimer o levou...
Cinco
anos mais ou menos depois, no ano de 2006, sua bisavó
chamada vó Rute, também partiu, deixando uma linda casa ao lado do
LTC, clube que seu pai Gael passou boa parte da vida. Lá hoje ainda
mora a irmã querida de seu avô, chamada Rosinha, que de tão
especial requer cuidados especiais. Ela, a irmã de seu avô Gael,
sabe de você, e vai te conhecer quando nascer. Lembro bem que sua
bisavó Rute abriu mão de sua própria vida muitas das vezes para
vida dar a essa irmã de criação de seu avô. E comigo Gael, sua
bisavó chamada vó Rute só faltou deitar pra eu passar!!
Agora
tem sua bisavó, “vivinha da silva” como se diz, até o dia de
hoje, chamada Edmea. Essa eu posso dizer que se tornou uma
instituição da cidade, já perdeu o direito de nos deixar, se ela
for, pego ela de volta, e dela tenho só boas lembranças, desde a
comida inigualável, quando eu saído da escola lá ia almoçar.
Feijão na panela de ferro com torresmo, e tudo de bom. O problema é
que seu pai Gael, por algumas vezes, passava aperto quando a minha vó
Edmea cismava de me enfiar no banho, de forma digamos, mais
repetitiva e com uma bucha vegetal. Não tinha como correr Gael. Seu
pai saía meio esfolado.
Então
meu filho, procure saber de suas origens, procure saber sobre seu
tios avós, são vários e todos muito legais e divertidos. Vou levar
você para eles conhecerem.
Desejo
agora que saiba muito sobre seus avôs e avós. Agora fica meio
complicado meu trabalho, pois nem sei bem onde começar.
Todos
estão bem, esperando por você chegar, mas impossível saber quanto
tempo você irá conviver com eles, infelizmente o tempo corre e ele
não se preocupa com nada, pois nada mais absoluto e cruel do que o
tempo.
Algumas
informações ou pistas vou deixar nessa carta sobre eles Gael. E
espero que você sempre saiba quem são, se interesse e vá atrás um
dia pra conhecer o seu passado à fundo, pois sem ele, o presente
é oco, e o futuro fragmentado.
Saiba
que seu vô chamado Paulo, médico e escritor, é personagem
mundialmente conhecido em Lavras, pessoa de mente fértil, poliglota,
foi atleta de correr quase maratona, só anda a pé pela cidade, se
dizia fazendeiro, e tem uma capacidade ampliada pela tripolaridade de
pensar.
Mas
o importante mesmo do mundo esportivo que ele tanto se gabava e ainda
se gaba, considero que foi me apresentar o esporte mais incrível de
todos, que ele praticava de forma esforçada, aos trancos e
barrancos, com muita disposição e força, e desprovido de técnica
afinada.
Demorei
um bom tempo pra ganhar pela primeira vez de seu avô, mas quando
ganhei, acho que eu tinha no máximo 12 anos, e foi meio
constrangedor, pois somente no tênis um menino de 12 anos, treinando
bastante, consegue ganhar de um adulto mais forte e mais rápido,
quando a técnica já dita de um aprendizado infantil supera a força.
O Tênis é uma arte.
Voltando
ao seu avô Gael, desejo que você leia alguns dos vários livros de
crônicas e romances que ele produziu, mas não preocupe se tiver a
sensação de que leu poucos, pois acho impossível ler a grande
maioria das crônicas, são mais de 5 mil, diz seu avô. Esses livros
meu filho, você encontrará na minha biblioteca, e será uma ótima
forma de você conhecer a vida dele. Garanto que não existe pessoa
que escreva uma rica crônica por dia sem dela tirar seu sustento, ou
que não seja jornalista profissional ou coisa que o valha. Ele cria
por que não lhe cabe mais à mente, desborda.
Sinto
que tenho que dar andamento nesta carta, e não posso me apegar a
muitos detalhes, para muito extensa não ficar, já sentindo que
muitas coisas terão que ficar de fora. Escreveria uma carta de 10
mil páginas.
Pode
ser Gael que você até cuide de seu avô daqui alguns anos, essa é
a lógica inexorável da vida.
Agora
começa uma parte meio complicada da carta, sinto um pouco pra
escrever, mas tudo tem sua hora Gael. Saiba que sua avó se chama
Rosa. É só falar Rosa por aqui que ou é a flor ou é sua avó.
Três não existem.
Ela
é ímpar, artista, criadora, chef de cozinha, resiliente, forte,
lutadora. Coloco-a no patamar de gênio, já que gênio pra mim são
os que conseguem juntar a fantasia e o sonho com a concretude, com a
realização material. Ela faz isso Gael todos os dias. Ela cria,
imagina, desenha e até rabisca, e isso tudo vira vestidos e roupas
lindas. Saiba Gael que sua avó é aclamada por todos, foi e é uma
das estilista mais conhecidas. Pode ter muito orgulho de sua avó. O
dom dela não se aprende em escola, não se passa pra terceiros. Acho
que os Deuses a escolheram enquanto ela dormia. Ela não precisou
levantar cedo pra entrar na fila do talento, ela foi contemplada de
ante mão.
Desejo
Gael que você possa comer muito ainda a comida que ela faz, é
sublime, desejo que possa comer muitos pães de queijo, que
sinceramente qualquer outro pão de queijo perto do dela, em minha
opinião, deveria pagar multa. Fico com pena de comparar, dá ate dó
dos outros pobres pãezinhos. E essa opinião não é só minha.
Desejo
Gael que sua avó possa qualquer dia fazer uma peça de roupa pra
você. Eu tive algumas que ela fez quando eu era criança, mas só
alguns shorts, pois o que ela ainda faz são roupas pra meninas e
mulheres. Sorte da sua tia Barbara que durante toda a vida sempre
teve vestidos exclusivos feitos sob medida pra toda e qualquer
ocasião especial. Sua tia nunca repetiu vestido em festa, eu já
repetia umas peças de roupa por mais de dez anos pra qualquer
evento, mas eu fazia isso por gosto mesmo.
Saiba
que além dos babadores já comprados pra você, vou ter que comprar
alguns pra sua avó também, pois desde o dia em que ela ficou
sabendo que você viria, vi na cara dela uma alegria explosiva.
Saiba
que sua avó Gael, quando soube que seria você, por mais incrível
que pareça, adivinhou seu nome, falando pro seu pai que gostaria
muito que o neto dela se chamasse Gael. Mal ela sabia que seu nome já
havia sido escolhido dois anos antes. Te juro que é verdade.
Desejo
que você coma muitas papinhas feitas por sua avó, não tenho
dúvidas que serão as melhores que você irá comer. Seu primo Theo
as adora, e já ouvi dizer que até recusa a comida de outras
pessoas. Sei que ela até um pouco de pimenta vai colocar. É de
criança que se aprende o ardido da vida.
Sua
avó Gael, para tentar abreviar esta carta, quando seu pai nasceu,
acho que por muitas vezes fez o sol nascer, a chuva parar e o vento
cessar pra eu passar. Gostaria muito que você um dia Gael entendesse
tudo isso, e quem sabe, um dia conversando com sua vó, veja que eu
escrevi ainda muito pouco sobre ela.
Desejo
Gael, que você conviva muito com sua tia e seu tio, pais do Theo,
seu priminho, figura revolucionária, que espero que possam aprontar
bastante nessa vida, que façam muitas viagens, que andem por esse
mundo. Espero que vocês sejam muito amigos, espero que seus tios
tenham mais filhos, pra seus amigos se tornarem. Suspeito que você
será filho único, então, faça muitos amigos, mas tenha sempre em
mãos uns poucos e bons. Amizades profundas são raras. Conheça a
força da palavra amigo. Amigos reais para pessoas reais. Não confie
por demais em amizades virtuais, desconfie.
Saiba
que sua tia, Barbara, é mistura de artista com jornalista, pessoa
que qualquer dia é capaz de dar a casa em que mora pra quem pedir,
mas não espalhe isso pra não dar fila na porta dela. Ela Gael, vai
te levar pra passear muitas vezes com o Theo, seu primo, e espero que
você se comporte. A casa dela sempre vai estar entupida, mas de
chocolate, é só abrir qualquer gaveta, armário, porta, cofre,
geladeira que você encontrará chocolate. E ela fez do seu priminho
um chocólatra desde a barriga. O Theo é chocolate puro, por isso
que ele é derretido e doce. Então Gael apronte na casa dela, ela
não se importa, e saiba também que seu tio só tem cara de bravo, é
mole por dentro, e cara bom, altruísta, nem parece cunhado. Saiba
que pode contar com ele a qualquer momento. Saiba que ele é "o"
médico, não simplesmente um médico. Competente e sério, é médico
que tenta dar rasteira na feiura de alguns e algumas, faz sumir
feiurinhas, faz lanternagem em gente. Qualquer dia vou precisar fazer
uma revisão com ele.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4fGOs4VLi4g8cmo-Y61q2Hqn6uW19BmsfhPtHk4gT2vf3tx62ePVFV01V47DE_M-Ay0bJkIr6JPgYHFt0qDYtU2OmmrrWD65s-lB_KZWRBrtJw5Y6fgswYpexSG52zMotGD-EfudcXNfW/s320/viagem+vanessa.jpg)
Desejo
Gael que você ame viajar, como seus pais amam. Papai e mamãe são
completamente aficionados pelo mundo. Desejo que veja o mundo com
olhos cuidadosos, curiosos e perscrutadores. Saiba que tem uma frase
que seu pai adora, de um famoso navegador chamado Amyr Klink, que eu
conheço desde adolescente e que diz o seguinte: “Um
homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias,
imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés,
para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e
dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto.
Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto.
Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar
essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não
simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores
do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir
ver”.
Desejo
que ame aviões e seja apaixonado por aeroportos. Aeroportos são
lugares muito especiais. Preste atenção em tudo que estiver à sua
volta quando estiver em um. Desejo que se perca bastante pelo mundo,
desejo que você Gael seja um péssimo manuseador de mapas, ou tenha
um senso de direção precário como seu pai, e em se perdendo por
aí, mais e mais você vai ver que se achou. Se precisar de ajuda,
peça pra alguém, mas antes de pedir faça uma leitura da cara da
pessoa que você irá pedir ajuda. Antes de olhar, veja bem. Eu sou
ótimo nisso, e não sei como aprendi, mas sei que vai ser o seu
feeling, e confie nele. Eu gostaria de vender um pouco de feeling, o
meu funciona.
Desejo
que eu possa ajudar você um dia a fazer a programação de sua
viagem, e já estou aqui pensando no mochilão que um dia você fará
pela Europa com seus amigos como seu pai fez aos 25 anos. Foi uma
viagem incrível. Te juro que aconteceu de tudo e jamais me esqueci
destes anos bons.
Saiba
que você já tem um mochilão muito bom pra suas viagens, e saiba
que esse mesmo mochilão que um dia você vai usar já foi meu
companheiro de muitas ocasiões, então tome cuidado com ele, leve-o
sempre com você, e lembre que ninguém no mundo precisa de mais do
que nele cabe, mesmo pra fazer uma viagem de volta ao mundo. Tenha
poucas coisas, poucas roupas, e pouco tudo, e saiba que é melhor ter
uma coisa realmente boa do que ter muitas que não valem nada. Seu
pai tem algumas roupas que já duram quase vinte anos, botas de 10,
camisas e calças de 15, e elas continuam perfeitas. Menos é mais.
Papai tem fotos do ano de 2001 com uma bermuda que ainda tenho no
armário, jaqueta de 1997 que ainda uso.
Desejo
que conheça Paris, essa cidade me encanta, desejo que ande por toda
ela, e que perca o máximo de tempo possível nesta cidade, pois é
essa a melhor forma de conhecê-la. Saiba que uma das coisas mais
incríveis desta cidade, além de toda beleza explícita, o que seu
pai sempre se apega e nunca esquece, é o cheiro possível de ser
sentido nas ruelas de croissant amanteigado combinado com os cafés
muito bem tirados. Ahhh Gael, desejo muito que lembre da minha
lembrança quando por lá estiver. E quando sentir esse cheiro, vai
se lembrar de mim.
Desejo
que vá pra Amsterdam já adulto, e espero que nesta viagem eu e sua
mãe ainda estejamos muito bem pra te acompanhar. Cidade única no
mundo. Saiba que sua mãe e eu conhecemos cada canto desta cidade, já
antecipando aqui que sua mãe Gael fez Doutorado na Holanda no ano de
2008, por um ano, e por todo este período eu estive com ela em um
quartinho de 17 metros quadrados. E mesmo assim nos sentíamos os
reis do espaço infinito. Ou seja, Amsterdam foi nosso quintal.
Conheça a África do Sul, especificamente Cidade de Cabo e arredores
Gael, que te juro, não tenho vocabulário pra descrever. Aquele
lugar a beleza passou da conta, gastou-se horrores em beleza por lá.
Não
tem como eu aqui detalhar onde você talvez gostaria de ir, só posso
te dizer e desejar que esgote a Europa, vá pra Ásia, e ande por
tudo que puder, com poucas coisas na mala e muitas na cabeça.
Mais
aqui vai um desejo especial do papai pra você Gael, vá pra Rússia.
É, a Rússia. Seu pai é fascinado por esse país, e sua mãe também
achou lindo. Ela chegou a caminhar tanto no inverno congelante do ano
de 2014 que saiu sangue nos dedos do pé por causa do aperto da bota.
E mesmo assim sua mãe não parava de andar. Desejo que conheça
Moscou e São Petersburgo. Fiz uma viagem fantástica com sua mãe
pra essas cidades em pleno inverno, e se realmente gostar da alma
desse país, vá rumo à Sibéria, como seu pai fez de mochilão até
o lago Baikal. Mas vá com cuidado. Espero que eu possa te levar pra
lá quando você tiver uns 15 anos de idade. Se não formos juntos
por algum motivo, vá você quando estiver grande ao ponto de poder
se defender. Desejo mesmo que por mim pegue o expresso Transiberiano,
vá até a cidade de Irkutsky, de lá pegue uma carona até a
cidadezinha de Lystyvianka, e então conheça o lago Baikal. Vá no
verão, é claro, e quando chegar ao Lago Baikal saiba que ali seu
pai ficou sentado, olhando perdido a vastidão, tomou um gole de água
do Lago, pegou uma pedrinha de lembrança, e voltou pra trás. É
assim que as coisas são. E volte vivo. A Rússia é demais.
Claro
que nem preciso dizer pra conhecer o Brasil, vamos juntos também
conhecê-lo. E Minas Gerais já te digo, que é um mundo, o mundo da
gente. Estado mais rico não há. Vai saber um dia Gael, que mineiro
a gente não entende, interpreta. Frei Beto já dizia “que Mineiro
não fica louco; piora. Por isso em Minas não se diz que alguém
endoidou, mas sim que se manifestou”. Mineiros meu filho, como nós,
podem falar por horas e horas, sem dizer nada que preste. Sinto
orgulho disso.
Desejo
Gael que você goste de ler como seu pai. Aqui vai uma parte especial
desta cartinha meu filho, que é sobre leitura. Saiba que você já
é, antes mesmo de nascer, um menino rico, bem rico. Duvido que algum
coleguinha seu tenha a biblioteca que você já tem. Quem sabe este
seja o maior patrimônio que deixarei pra você, uma coleção
considerável de grandes clássicos da humanidade, livros geniais,
essenciais, que com tanto cuidado eu venho colecionando e lendo há
vários anos. Sua biblioteca é linda, completa, pesada e toda sua.
Cuide
dela com zelo, admiração, ela é linda. Ponto de visitação em
nossa casa, diria eu. Saiba que os livros criam em torno de si um
campo eletromagnético extremamente poderoso, capaz de gerar energias
benéficas. Então, todas as vezes que estiver em uma biblioteca,
preste atenção no ambiente. Ele é diferente, me encanta. Conheço
livrarias e bibliotecas pelo mundo que são inimagináveis. Você irá
perceber isso um dia.
Então,
quando tiver vontade e entendimento pra começar a mexer nos livros
do seu pai, que já te dou agora antes mesmo de você nascer,
cuidado, eles são perigosos, mas no bom sentido. Como dizia
Guimarães Rosa, “Dá susto se saber”!!, oh se dá.
Vou
tentar ser breve aqui em meus desejos que te jogo aos ombros. Saiba
do maior livro da humanidade: Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.
Seu pai tem duas edições, uma raríssima, de 1958, e outra novinha.
Leia a nova edição, pois a velha daqui uns 20 anos, quando você
tiver maturidade pra absorver este livro dos céus, provavelmente vai
estar bem acabadinha, já soltando pedaços de papel, mas veja as
ilustrações que existem nesta edição, pois são lindas.
Leia
esse livro ao longo de sua vida algumas vezes se gostar, e não se
impressione com o tamanho da obra. Tome Dom Quixote e Sancho Pança
como seus amigos reais, converse com eles ao longo de sua vida,
pense a fundo neste livro, ele tem o poder real de mudar as pessoas,
portanto, mudar o mundo. Ao final deste livro, dependendo de seu
entendimento, de sua idade, de seu humor, dois caminhos se abrem, um
da loucura completa, do desatino, ou o da desilusão, da
incompreensão. Depende de você Gael. Boa sorte com este livro.
Vá
um dia meu filho na parte dos autores russos, meus grandes amigos.
Leia Dostoievisky, Nabokov, Tolstoy. São leituras que desejo que
inicie quando estiver mais bem preparado. Pule para os grandes
portugueses, como Saramago, Fernando Pessoa, leia George Orwell e
tome cuidado, coma os livros do Gênio Gabriel Garcia Marques e
entenda a fundo a palavra Macondo, seja amigo de Friedrich Nietzsche,
saiba que eu e sua mãe tivemos um cachorro com o mesmo nome deste
escritor, um labrador branco maravilhoso que muito me fez chorar,
leia Mario Vargas Llosa, se aventure com Willian Shakespeare. Abras
os olhos com Franz Kafka, esse cara sim é estranho, estude Richard
Dawkins e Erasmo de Roterdan, e se estresse com Guimarães Rosa, em
“Grande Serão Veredas”, esse mineiro é o acima da média.
Falava 12 línguas diziam, mais do que seu avô Gael, e elevou Minas
Gerais ao Espaço. Saiba que esse mineiro de Cordisburgo foi e será
um dos grandes da literatura mundial, e ele que dizia o seguinte:
“O
senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto:
que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas
– mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade
maior. É o que a vida me ensinou. Isto que me alegra, montão. E,
outra coisa: o diabo, é às brutas: mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma
beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer –
moço! – me dá medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele
faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca
bonito, se divertindo, se economiza. A pois: um dia, num curtume, a
faquinha minha que eu tinha caiu dentro dum tanque, só caldo de
casca de curtir, barbatimão, angico, lá sei – “Amanhã eu tiro
...” – falei, comigo. Porque era de noite, luz nenhuma eu não
disputava. Ah, então saiba: no outro dia, cedo, a faca, o ferro
dela, estava sido corroído, quase por metade, por aquela aguinha
escura, toda quieta. Deixei, para mais ver. Estala, espoleta! Sabe o
que foi? Pois, nessa mesma da tarde, aí: da faquinha só se achava o
cabo... O cabo – por não ser de frio metal, mas de chifre de
galheiro. Aí esta: Deus... Bem, o senhor ouviu, o que ouviu
sabe, o que sabe me entende...”
Portanto
Gael, contemple a biblioteca do seu pai, pois olhando pra ela, você
vai estar olhando pra mim.
Desejo
que admire a arte e a ciência, admire o mistério meu filho. Isto
sim é uma emoção real que um homem pode sentir. Abra seus olhos
para esse encanto, sinta estupefação, admiração pelo insondável,
pelo incerto, pelo distante e pelo espaço infinito. Saiba que eu
sinto muito bem em perceber minha pequenez. Me faz melhor.
Desejo
Gael que você goste de cozinhar como seu pai. Cozinhar é uma arte,
é um dom. Mas se não levar jeito, pelo menos se empenhe o mínimo
pra fazer algo que você goste muito de comer. Cozinhar te faz
independente de alguma maneira, cria amigos, altera a substância das
coisas. Experimente tudo que parecer interessante, pois comer é
forma de percepção sutil, profunda, te deixa mais inteligente. Abra
os leques e quebre a intolerância nesse universo infinito dos
alimentos. E lá em casa Gael, quem manda na cozinha sou eu, pode
perguntar sua mãe. Cuidado com as panelas, temperos, copos e facas
do papai. Ele é chato só nesse ponto. E saiba Gael, que se quiser,
te ensino tudo, um dia quem sabe, a fazer muita coisa boa.
Desejo
Gael que você goste de jogar tênis, como seu pai tanto gosta. É um
esporte completo, desenvolve o intelecto e a coordenação. Saiba que
essa sim foi uma das coisas que realmente fiz bem em minha vida, e
ainda faço um pouquinho, eu acho. Espero que possamos jogar qualquer
dia, e espero que se um dia jogar, ganhe logo de mim. Contemple e
admire os troféus que seu pai um dia ganhou, acho que são mais de
trinta, e orgulhe-se deles. Foi muito importante pra mim. E desejo
que um dia junte os seus aos meus. Saiba que teve um jogador chamado
Roger Federer que foi e será o maior de todos os tempos, pena que já
esta quase aposentando. Você não o verá jogar. Veja alguns jogos
dele na internet. Quando ele parar de jogar, o tênis não será como
antes. Mas outros grandes virão. Quem sabe você.
Desejo
Gael que você acredite não em um só Deus, mas em vários, ou
melhor, acredite nas Deusas.
Desejo
que você encontre seu credo, ou caso não encontre, não se
preocupe, nem se sinta diferente, ele já está guardado com você,
no fundo. Não te desejo o ateísmo, ele é por demais duro, e pesa
dolorosamente sobre os ombros de um homem. Haja couraça pra
suportá-lo. Conheça a fundo a palavra agnóstico, estude sobre, e
muito. Na sua biblioteca tem muitas coisas legais pra você ler a
respeito. Seu pai tem muitos livros chamados “proibidos”, mas não
pra você.
Saiba
que Mario Quintana sempre dizia que “não importa se você acredita
em Deus, o que importa realmente é se ele acredita em você.”
Respeite as forças da natureza, elas são belas e perigosas ao mesmo
tempo.
Desejo
que goste de aventuras, de correr um pouco de risco, te desejo sorte,
já que seu pai teve muita.
Não
posso ficar dizendo pra você “não faça isso nem faça aquilo”,
só posso alertá-lo das implicações que pode gerar um ato
impensado.
Lembro
que sua avó sempre me alertava sobre o perigo das coisas etc, mas no
fundo ela sabia que dependendo da pessoa, eu no caso, ela só poderia
torcer, eu era causa perdida, mais nada, pois ela sabia que logo
alguma coisa diferente eu estaria aprontando. Saltei de paraquedas,
voei de parapente, pulei de bungee jump, fiz acrobacias em avião de
guerra, adoro esquiar com muita velocidade, mergulhei na jaula pra
ver o tubarão branco no congelante oceano índico, e te digo que é
bom, te faz sentir vivo. Sempre senti medo de uma coisa Gael, medo de
não viver e também de deixar as pessoas próximas de mim tristes,
caso eu não voltasse bem, então, faça tudo com responsabilidade.
Saiba
que lá no sul do Brasil, você meu filho, tem vó, vô e tia.
Gaúchos. Todos são muito legais, até minha sogra. Ela quando soube
que você viria menino, fiquei sabendo que ao telefone ela deu um
grito, grito mesmo, de alegria. Sua vó Dilce queria menino, e muito.
Acho que cansou de mulher, teve duas filhas né!! Saiba que sua vó
vai te ver chegar, vai estar aqui quando nascer, e vai te ajudar
muito. Ela é meio molenguinha Gael, no bom sentido, então tome
conta dela. Seu vô Dirceu, esse é meio complicado, não sai muito
de casa, acha que o Rio Grande do Sul vai ser invadido pela
Argentina, sei lá.
Seu
vô Dirceu é engraçado, ele faz umas coisas estranhas, apaga uma
baita churrasqueira que tem em casa com um baita balde de água,
queima isopor e latinha dentro de casa na lareira, mas sempre que eu
chego lá tem carne, lenha e cerveja à minha espera.
Tem
sua tia Fernanda, irmã da mamãe, que até que enfim se juntou com
alguém. Ia ficar solteira, eu apostava nisso. Ela vive no whatsapp
mas quando você for lá Gael ela vai te dar muita atenção.
Você
Gael logo logo vai lá no sul pra visitar todos eles. Sei que estão
todos ansiosos por vê-lo.
Tem
ainda sua bisavó Gael, paixão de sua mãe, a vó Silda, moradora de
Porto Alegre, batalhadora e que foi literalmente quem pegou sua mãe
pelo braço pela primeira vez e a fez ver que o mundo tinha
fronteiras muito maiores das que as observadas geralmente dessas
pequenas cidades do interior, e a Vanessa mordeu a isca que sua
bisavó lançou, a isca da curiosidade.
Desejo
que você meu filho escolha a profissão que achar melhor, qualquer
uma que te faça bem, te deixe bem, e que te traga felicidade. Se
tiver veia de artista, que vá parar até no circo se for o caso.
Hoje em dia têm ótimos circos pelo mundo, e pagamos caríssimo para
vê-los. Estude línguas, de forma intensa, é essencial pra tudo,
converse, seja amante da fala, das relações reais, de interações
verdadeiras, cuidado com a tecnologia em excesso, ela emburrece a
alma, superficializa as emoções, bloqueia os sentidos e reduzem a
capacidade de ser gente. Seu pai provavelmente é um dos últimos que
só utiliza internet quando está em casa ou no escritório. Me
conecto quando eu quero, prefiro estar desconectado, e se quiserem
falar comigo, me liguem. Mas isso Gael, daqui alguns anos, quando
você estiver grandinho, não sei onde tudo isso vai ter parado. Mas
saiba que será perigoso nesse ambiente virtual parecer sábio em um
ambiente de tolos meu filho. Se prepare.
Te
deixo outra riqueza enorme Gael, que nenhum coleguinha seu
provavelmente tenha, um patrimônio muito legal que logo você vai
poder apreciar, e que espero deixe sempre organizado e bem cuidado.
Pode mostrar pra quem quiser a coleção de fotos impressas, ou
melhor, fotos reveladas, que eu e sua mãe fizemos de todos os
lugares que fomos visitar pelo mundo. São mais de 3 mil fotos
impressas até o dia de hoje, todas organizadas em álbuns. Você vai
ver seus pais desde novinhos, vários momentos, lugares, pessoas,
cada foto tendo uma importância sem igual. Pois elas sim, as fotos,
revelam o momento, congelam a maldade do tempo, eternizam o que a
memória busca esquecer. As fotos jogam contra o esquecimento, elas
riem da perda de memória e nos fazem lembrar quão valiosos são os
dias vividos intensamente.
Saiba
Gael, que essas fotos revelam muito, revelam quem viveu a vida sem se
poupar, com alma, e sentiu todas as cargas em seus nervos, revelam
que podemos envelhecer sem remorsos. Isso é uma sabedoria meu filho.
Carta
já terminando meu filho, fique calmo. Agora é ela.
Sempre
me disseram Gael que eu tenho a capacidade de atrair pessoas
diferentes, estranhas, talvez exóticas, problemáticas inclusive.
Sempre gostei disso, não dou muito certo com o convencional, com
regras e aparências. Por tudo isso, atraí uma pessoa
extraterrestre, de outro mundo ou planeta, sei lá.
Essa
pessoa é sua mãe Gael. Somos sortudos demais, temos a ela, e sei
que agora em diante você será o centro das atenções, mas não me
importo.
Desejo
que saiba que sua mãe teve origem simples, humilde, em que foi dado
a ela somente duas opções para ser gente na vida, a primeira era
estudar, e a segunda também. Então, diante dessas duas alternativas
sua mãe foi além. Ela simplesmente saindo de um colégio público
em uma pequena cidade do interior de Rio Grande do Sul, chamada
Palmeira das Missões, entrou na Universidade Federal de Pelotas, e
depois de graduada ouviu falar de uma cidade chamada Lavras, que acho
que nem no mapa ela teve curiosidade de localizar, mas sabendo do
ótimo curso de pós graduação existente na UFLA, ela pegou uma
malinha capenga e viajou de ônibus por quase dois dias até chegar
aqui nesta cidade. Ela tinha uma pessoa somente conhecida na cidade,
só isso. Mas não acabou Gael os feitos da sua mãe, pois ela
concluiu de forma rapidíssima o mestrado, já adentrando ao
doutorado, tendo ela Gael concluído o doutorado simplesmente na
Wageningen University, na Holanda, considerada na área de atuação
de sua mãe simplesmente a melhor Universidade do mundo. E o detalhe
final, no dia da defesa da tese de doutorado, fiquei sabendo que foi
a primeira aluna da Ufla a defender uma tese em inglês, e que foi a
primeira vez que os membros da banca, incluindo o orientador holandês
que veio especialmente ao Brasil, vestiram terno e gravata. Realmente
Gael, sua mãe é especial. Tem todas as fotos pra você ver em casa.
E papai estava lá.
Tenho
quase certeza que você Gael foi o único menino que escutava música
clássica diariamente ainda na barriga de sua mãe, essa Vanessa
hein!!! Todos os dias ela colocava Vivaldi pra você ouvir, telefone
ao lado da barriga. Era pra você acalmar, mas quando começava a
música, você se agitava todo, ficava de murrinhos e pontapés. Será
que você estava batendo palmas?
Outra
coisa que quero que você saiba é que por vezes eu via sua mãe
conversando com você ainda na barriga, como se menininho você já
fosse. Eram altos papos. Queria saber o que você entendia disso.
Escute
sua mãe Gael, ela é muito mais inteligente do que você um dia
poderá imaginar, ela poderá fazer a diferença. Ela já faz a
diferença para um grande numero de pessoas e alunos, é adorada por
eles, principalmente pelos bons.
Sua
mãe Gael é pioneira no Brasil, trabalha atualmente com Canabis sativa,
e suas aplicações com medicamentos, ela é uma das primeiras a
atuar com essa planta sagrada para a ciência. Pode ser que quando
você ler essa carta a aplicação científica desta planta já esteja
disseminada em nossa sociedade e seja de conhecimento de todos os
seus benefícios. Mas hoje meu filho, mamãe é inovadora.
Então
Gael, ajude sua mãe, seja companheiro dela, saiba que você é
simplesmente o tesouro que ela tanto esperou. E quando realmente
precisar de ajuda ou alguma palavra, ela terá a certa. Sorte a
nossa.
E
lembre Gael, que essa carta escrevo por desconfiado que sou das
coisas. Já prefiro deixar escrito, vai saber, mas pode ser que nós
dois logo a leiamos um dia, e a cumpramos para nosso riso. Como dizia
Guimarães Rosa, “viver é negócio muito perigoso”. Mas só
assim que vale a pena.
Lavras,
14 de maio de 2018, cento e seis dias para seu nascimento. Seu pai.