quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Irmão pede blog emprestado para homenagear a sogra!! rs...

Errata concernente à minha sogra.


Objetivo: colocar os pingos nos “is”


Sogra boa é sogra morta”. Mentira, no meu caso é claro. De outras não posso falar.


Foi publicado em uma longa carta que escrevi pro meu filho Gael que viria a nascer, e postado por minha irmã em seu Blog Vem Comigo, em que eu descrevi brevemente minha sogra, falando primeiramente da felicidade imensa em ter um neto guri, e também que ela seria “meio molenguinha”, pois sempre dormiu de forma avolumada. Errei feio, ainda bem.

Por esse motivo, resolvi corrigir a bobagem que escrevi, tecendo agora algumas considerações sobre ela. Ela tomará ciência deste texto pelas redes sociais, não vou falar nada, vai virar surpresa, inclusive pra Vanessa, sua filha, que logo vai ver o que escrevo em algum lugar e vai dedurar pra minha sogra o ocorrido.


Ela, então, pra quem não conhece, é a Dilce. Mas não é somente Dilce. É Dilce Maria Morgenstern Brum Stein, nome mais invocado é difícil, gaúcha de Palmeira das Missões, cidade que tem por característica principal ser bem longe.


Das sogras que eu tive e não tive, sem dúvida, ela é a melhor, e isso não é brincadeira. Em casa ela parece invisível, não atrapalha, é pura boa paz.


Ela chegou pra acompanhar o nascimento do seu primeiro netinho por volta do meio de agosto, e o que ela tem ajudado me deixa abismado.



Sua passagem de volta pro sul do Brasil foi perdida intencionalmente, o avião voltou com um passageiro a menos. 
 

Voltando ao assunto que importa, quando o Gael nasceu, dia 28 de agosto, percebi que ela nasceu novamente duas vezes. Ela recarregou as baterias de uma forma que, desde o primeiro minuto de vida de seu neto, não mais parou, dormiu, bobeou, arregou, e encarou como missão de vida ajudar sua filha e seu netinho. A vida dela se tornou coisa maior, mais bonita, mais inexplicável. E isso é ela quem diz. 
 

Em minha opinião, ela entrou no modo automático de viver pros outros, a desconsiderar o sono, o cansaço, inclusive começar a enxergar um pouco no escuro, pois vi um dia ela trocar a fralda do Gael sem acender a luz madrugada afora.


Foi e está sendo uma doação completa de minha sogra, coisa bonita de se ver. A Vanessa mesmo está vendo a diferença em sua mãe e já antecipa pra mim o medo de sua mãe partir. Faz parte.


Pena que nem todos veem as cenas que vejo, basta o Gael chorar ou reclamar que ela vem babando e falando dezenas de vezes por dia: “ai meu gulizinho pobrezinho, que que fizeram como você???” “judiaria só pode”. É gente, é isso mesmo, é GULI o tempo todo que ela fala, e não GURI , em nem sei porque.


Mas tudo ela faz com todos os olhos brilhando, é só sei que infelizmente ela voltará pro sul dia 12 de novembro, mas sei que ela volta logo daqui uns dias. E se não voltar nós vamos fazer um sequestro de sogra, e trazê-la de volta pra Minas. Ficará presa no cativeiro do Gael, com direito a várias regalias, até banho de sol diário.


Mas ela vai saber o motivo do sequestro, e se bobear ela vem até sorrindo a pé pedir pra ser sequestrada.


Você vai fazer muita falta Dilce, pra todos, pode acreditar, e quero ver como o Gael vai reagir, pois ele vai notar sua curta ausência, vai procurar a vovó com seus olhinhos pela casa, e não duvido que me pergunte em bom português, “cadê vovó?”.


Vou falar pra ele que daqui a pouco ela volta, e volta mesmo. Ela não vai dar conta de ficar longe mais que uns dias, tanto de você Gael, quanto de sua filha adorada, e quem sabe até de mim, pois sogra é sogra, e a minha é mais.






Muito Obrigado pela ajuda Dilce.

Assinado: Stenio e Gael

22/10/2018.





domingo, 27 de maio de 2018

É emoção que vocês querem?!

Carta de um Pai...
...ao Gael

 

Ao Gael,

   Poucas vezes me dispus a escrever sobre algo, pra dizer a verdade, em pouquíssimas ocasiões me arrisquei em deixar no papel algumas considerações, cartas ou impressões. Agora, como leitor, sou exagerado, tenho vontade de comer livros, tenho a terrível predisposição para os grandes clássicos, os que realmente me dão trabalho pra digerir, e olha que jamais tomei um antiácido por causa deles.
   Sou compulsivo por leitura, muitos sabem, mas das poucas vezes que deixei algo escrito, algumas poucas pros meus pais, algumas outras para meus avós, outras mais pra minha mãe, e claro, algumas pequeninas cartas para a Vanessa. Diz ela que sempre gostou do que eu escrevia.
   Escrevi também uma pequena orelha de um livro de crônicas do meu pai, e não sei se ele gostou, mas agora é tarde. Mas o que realmente deixei escrito em forma de relato, de forma mais extensa, foi sobre minha segunda viagem, desta vez solitário, pra Rússia, e depois, rumo à Sibéria, onde sozinho passei por poucas e boas, até chegar ao lago Baikal, na divisa com a Mongólia em junho de 2016.

   Essas impressões foram publicadas no blog da minha irmã, chamado “vem comigo”, e diz ela que fez sucesso. Realmente, muitas pessoas chegaram pra mim e diziam sempre a mesma coisa, que era “legal e tal”, outros “que loucura”, mas ao final diziam sempre uma simples palavra, que era “Porque?”, sempre o “porque”. Com isso, eu pensava sempre e ainda penso que muitas coisas que faço não precisam de motivação, pois ela, por si só, já é parte do que eu sou, e não cabe ficar pensando racionalmente o que te leva a fazer algo, quando o algo que tenho é pré-existente, infinito e tão forte que basta meu desejo, carente de motivação, carregar meu corpo pra viajar pelos grotões desse mundo.

   Mas acho já meio confuso isso tudo que escrevo agora, mas quem quiser ler sobre a Rússia e sobre a Sibéria é só acessar o blog da minha irmã, quem sabe alguém goste, pois como acho que já falei, não tenho redes sociais, e nunca tive.


   Voltando ao que importa, dessa vez escrevo por motivo diverso, motivo este que eu não poderia deixar passar batido, dessa vez escrevo não sobre viagens, mas sim sobre desejos, de certa forma já nostálgicos, que acho que valem ser escritos para uma pessoa que ainda vai demorar um pouco pra ler, um pouco mais para entender, e bem mais para concretizar um pouco de tudo que desejo e hoje sinto que devo deixar escrito, pois se hoje estou com 38 anos, não sei se estarei aqui daqui vinte, trinta anos, e se estiver, muito menos saberei de minhas condições de saúde. Acho, eu só acho, que serão boas.

   Considerando então que essa pessoa que está por vir, daqui a uns poucos anos, já conseguirá ler, e daqui mais uns bons anos terá maturidade pra começar a realizar e entender, por lógica, estarei com aproximadamente 58 anos de idade, idade esta que hoje me intimida quando eu lá chegar.

   Então, quando ele, o Gael, meu filho, que logo virá, estiver com vinte anos, estarei com 58, ou melhor, 59, e quando ele estiver com 30, então estarei com 69 anos, mas vou parar por aqui com essa contagem cruel.

   Portanto, esta é uma carta pra você Gael, de um pai um pouco tardio, que espera que você tenha sempre esta carta, a guarde com você desde cedo, a leia quando conseguir, e a entenda quando puder.

   Saiba que a escrevo por receio, é verdade, de não saber se poderei estar sempre com você por tanto tempo pela frente, que você ainda terá. Escrevo sim por receio, mesmo que bobo, de que eu não possa, por qualquer motivo, estar próximo de você nas décadas que virão, escrevo também já por nostalgia de momentos que vivi, e que desejo que você um dia vivencie alguns que seu pai já viu, sentiu e vibrou.

   Escrevo esta carta e saiba que ela não vai se perder com o tempo, sua mãe terá uma cópia, sua tia outra, e deixarei ainda em algum arquivo eletrônico, apesar da minha desconfiança enorme sobre o patético mundo virtual, para algumas coisas ele tem sua utilidade.

   Mas ainda sim Gael, pra não ter erro, deixarei uma cópia em plastificada guardada dentro de uma mala retrô que tenho na sala de casa, de madeira, que ganhei quando eu tinha 19 anos. Lá vai ter outra cópia, portanto, não a perca. Tenha-a perto de você. Às vezes leve-a na sua mochila pra escola.

   Por tudo que disse, vi razões então fortes o bastante para escrever uma carta pra você Gael, que ainda está dentro da barriga da sua mãe, que já tão bem cuida de você, e que carregue os meus desejos da forma que você consiga entendê-los, carregue-os de forma leve, sem responsabilidades, e saiba que se eu puder estar com você, melhor, mas se não, vá por nós e aproveite e aproveite o caos de tudo.

   Saiba Gael que muitos dos sonhos que realizei eu já tinha mais de trinta anos, portanto, toda essa jornada é um processo contínuo e longo, então, quando estiver com seus mais de trinta anos, estarei já próximo dos 70, se tudo der certo pra mim. Então se eu aqui estiver, e não puder estar com você em um dado momento de sua vida, mande fotos que eu viajarei junto de você.

   São muitos desejos que quero escrever aqui pra você Gael, e nem sei também se a palavra certa é desejo, mas aqui vai uma lista de coisas que realmente podem fazer de você uma pessoa mais profunda, mais conectada com o real, mais mundano, mais forte, mais tolerante e mais responsável com as grandes causas da vida, no sentido de se deixar permitir quebrar um dia a barreira que separa os Homens dos meninos.

   Outra coisa que tenho que deixar claro pra você e pra todos os que passarem os olhos nesta carta, é que não a escrevo como se fosse por medo da morte, pois da morte só sinto pena, nem por fatalismo exagerado, a escrevo por mineiro desconfiado que sou, e na certeza de que de alguma utilidade ela possa servir.

   Saiba que a cabeça de seu pai é muito confusa, e o maior esforço que faço é agora, para tentar organizar isso que escrevo, mas vou tentar. Então vamos lá.

   Desejo que você saiba de sua Terra, de suas origens. Saiba que Lavras é considerada a “Terra dos Ipês e das Escolas”, e espero que continue sendo. Saiba que não importa onde você esteja e onde quer que você chegue, ela sempre será sua cidade natal, e orgulhe-se disso. Saiba que ser Mineiro é saber que Minas é um mundo, o mundo da gente. Minas é grande, Minas é antes de tudo um Estado de espírito, Minas são muitas meu filho. Saiba que mineiro de verdade não perde o trem, eu mesmo nunca perdi Gael nos vários que peguei, e isso um dia vai ser muito importante pra você, pois coisa boa sim é andar de trem pelo mundo. E o mineiro diz: Ô trem bão sô!!!

 

  
   Saiba e procure saber quem foram seus bisavós, saiba onde moraram, quem foram, mas já te digo que foram muito bons pra mim, e olha que você ainda tem uma bisavó que continua firme e forte aos 91 anos chamada Edméa, que mora em uma linda casa com o mais belo jardim no centro de Lavras. Ela só não se tornou a Rainha do Reino Unido pelo fato de ter nascido em Perdões. Azar dos Britânicos.  

 

   Os meus avós Gael, todos eles, tive o prazer de conviver. Lembro de muitos e muitos detalhes dos dias que passava com eles. E foi duro demais pra mim quando partiram. Lembro bem que aos meus doze anos de idade foi a primeira perda de um vô. Pra mim ele se chamava Vô Lasmar, e ele foi quem primeiro me colocou em um avião monomotor fragilíssimo e mais leve que o vento aos cinco anos de idade para dar uma volta sobre a cidade, e isso não me sai até hoje da mente. Foi puro pavor e amor ao mesmo tempo. Você não imagina a paixão que sinto por aviões desde então, sua mãe sabe.


   
   Tive o privilégio de jogar tênis com o seu bisavô chamado Vô Paulo, no Lavras Tênis Clube, quando ele, com 65 anos de idade mais ou menos, e eu com uns treze, sendo que ele havia parado de jogar há uns vinte anos. Ou seja, depois de vinte anos parado, chamei um dia meu vô à quadra, e não sei por quais motivos ele aceitou meu convite, e ele foi com sua velha raquete de madeira e sorriso no rosto bater bola comigo Gael. Foi incrível. Deixei ele fazer uns pontos em mim.

   Quando seu bisavô Paulo partiu, eu já tinha 20 anos de idade, e novamente foi duro, só que nessa idade eu já tinha a tendência de engolir o choro. E torci muito pra ele partir, pois o sofrimento dele já era demais. o Alzheimer o levou...



   Cinco anos mais ou menos depois, no ano de 2006, sua bisavó chamada vó Rute, também partiu, deixando uma linda casa ao lado do LTC, clube que seu pai Gael passou boa parte da vida. Lá hoje ainda mora a irmã querida de seu avô, chamada Rosinha, que de tão especial requer cuidados especiais. Ela, a irmã de seu avô Gael, sabe de você, e vai te conhecer quando nascer. Lembro bem que sua bisavó Rute abriu mão de sua própria vida muitas das vezes para vida dar a essa irmã de criação de seu avô. E comigo Gael, sua bisavó chamada vó Rute só faltou deitar pra eu passar!!


  
  Agora tem sua bisavó, “vivinha da silva” como se diz, até o dia de hoje, chamada Edmea. Essa eu posso dizer que se tornou uma instituição da cidade, já perdeu o direito de nos deixar, se ela for, pego ela de volta, e dela tenho só boas lembranças, desde a comida inigualável, quando eu saído da escola lá ia almoçar. Feijão na panela de ferro com torresmo, e tudo de bom. O problema é que seu pai Gael, por algumas vezes, passava aperto quando a minha vó Edmea cismava de me enfiar no banho, de forma digamos, mais repetitiva e com uma bucha vegetal. Não tinha como correr Gael. Seu pai saía meio esfolado.


  
  Então meu filho, procure saber de suas origens, procure saber sobre seu tios avós, são vários e todos muito legais e divertidos. Vou levar você para eles conhecerem.

Desejo agora que saiba muito sobre seus avôs e avós. Agora fica meio complicado meu trabalho, pois nem sei bem onde começar.

   Todos estão bem, esperando por você chegar, mas impossível saber quanto tempo você irá conviver com eles, infelizmente o tempo corre e ele não se preocupa com nada, pois nada mais absoluto e cruel do que o tempo.

   Algumas informações ou pistas vou deixar nessa carta sobre eles Gael. E espero que você sempre saiba quem são, se interesse e vá atrás um dia pra conhecer o seu passado à fundo, pois sem ele, o presente é oco, e o futuro fragmentado.


   
  Saiba que seu vô chamado Paulo, médico e escritor, é personagem mundialmente conhecido em Lavras, pessoa de mente fértil, poliglota, foi atleta de correr quase maratona, só anda a pé pela cidade, se dizia fazendeiro, e tem uma capacidade ampliada pela tripolaridade de pensar.

   Mas o importante mesmo do mundo esportivo que ele tanto se gabava e ainda se gaba, considero que foi me apresentar o esporte mais incrível de todos, que ele praticava de forma esforçada, aos trancos e barrancos, com muita disposição e força, e desprovido de técnica afinada.

   Demorei um bom tempo pra ganhar pela primeira vez de seu avô, mas quando ganhei, acho que eu tinha no máximo 12 anos, e foi meio constrangedor, pois somente no tênis um menino de 12 anos, treinando bastante, consegue ganhar de um adulto mais forte e mais rápido, quando a técnica já dita de um aprendizado infantil supera a força. O Tênis é uma arte.

   Voltando ao seu avô Gael, desejo que você leia alguns dos vários livros de crônicas e romances que ele produziu, mas não preocupe se tiver a sensação de que leu poucos, pois acho impossível ler a grande maioria das crônicas, são mais de 5 mil, diz seu avô. Esses livros meu filho, você encontrará na minha biblioteca, e será uma ótima forma de você conhecer a vida dele. Garanto que não existe pessoa que escreva uma rica crônica por dia sem dela tirar seu sustento, ou que não seja jornalista profissional ou coisa que o valha. Ele cria por que não lhe cabe mais à mente, desborda.

   Sinto que tenho que dar andamento nesta carta, e não posso me apegar a muitos detalhes, para muito extensa não ficar, já sentindo que muitas coisas terão que ficar de fora. Escreveria uma carta de 10 mil páginas.

   Pode ser Gael que você até cuide de seu avô daqui alguns anos, essa é a lógica inexorável da vida.

   Agora começa uma parte meio complicada da carta, sinto um pouco pra escrever, mas tudo tem sua hora Gael. Saiba que sua avó se chama Rosa. É só falar Rosa por aqui que ou é a flor ou é sua avó. Três não existem.


   
   Ela é ímpar, artista, criadora, chef de cozinha, resiliente, forte, lutadora. Coloco-a no patamar de gênio, já que gênio pra mim são os que conseguem juntar a fantasia e o sonho com a concretude, com a realização material. Ela faz isso Gael todos os dias. Ela cria, imagina, desenha e até rabisca, e isso tudo vira vestidos e roupas lindas. Saiba Gael que sua avó é aclamada por todos, foi e é uma das estilista mais conhecidas. Pode ter muito orgulho de sua avó. O dom dela não se aprende em escola, não se passa pra terceiros. Acho que os Deuses a escolheram enquanto ela dormia. Ela não precisou levantar cedo pra entrar na fila do talento, ela foi contemplada de ante mão.

   Desejo Gael que você possa comer muito ainda a comida que ela faz, é sublime, desejo que possa comer muitos pães de queijo, que sinceramente qualquer outro pão de queijo perto do dela, em minha opinião, deveria pagar multa. Fico com pena de comparar, dá ate dó dos outros pobres pãezinhos. E essa opinião não é só minha.

   Desejo Gael que sua avó possa qualquer dia fazer uma peça de roupa pra você. Eu tive algumas que ela fez quando eu era criança, mas só alguns shorts, pois o que ela ainda faz são roupas pra meninas e mulheres. Sorte da sua tia Barbara que durante toda a vida sempre teve vestidos exclusivos feitos sob medida pra toda e qualquer ocasião especial. Sua tia nunca repetiu vestido em festa, eu já repetia umas peças de roupa por mais de dez anos pra qualquer evento, mas eu fazia isso por gosto mesmo.

   Saiba que além dos babadores já comprados pra você, vou ter que comprar alguns pra sua avó também, pois desde o dia em que ela ficou sabendo que você viria, vi na cara dela uma alegria explosiva.

   Saiba que sua avó Gael, quando soube que seria você, por mais incrível que pareça, adivinhou seu nome, falando pro seu pai que gostaria muito que o neto dela se chamasse Gael. Mal ela sabia que seu nome já havia sido escolhido dois anos antes. Te juro que é verdade.

   Desejo que você coma muitas papinhas feitas por sua avó, não tenho dúvidas que serão as melhores que você irá comer. Seu primo Theo as adora, e já ouvi dizer que até recusa a comida de outras pessoas. Sei que ela até um pouco de pimenta vai colocar. É de criança que se aprende o ardido da vida.

   Sua avó Gael, para tentar abreviar esta carta, quando seu pai nasceu, acho que por muitas vezes fez o sol nascer, a chuva parar e o vento cessar pra eu passar. Gostaria muito que você um dia Gael entendesse tudo isso, e quem sabe, um dia conversando com sua vó, veja que eu escrevi ainda muito pouco sobre ela.




   
   Desejo Gael, que você conviva muito com sua tia e seu tio, pais do Theo, seu priminho, figura revolucionária, que espero que possam aprontar bastante nessa vida, que façam muitas viagens, que andem por esse mundo. Espero que vocês sejam muito amigos, espero que seus tios tenham mais filhos, pra seus amigos se tornarem. Suspeito que você será filho único, então, faça muitos amigos, mas tenha sempre em mãos uns poucos e bons. Amizades profundas são raras. Conheça a força da palavra amigo. Amigos reais para pessoas reais. Não confie por demais em amizades virtuais, desconfie.

   Saiba que sua tia, Barbara, é mistura de artista com jornalista, pessoa que qualquer dia é capaz de dar a casa em que mora pra quem pedir, mas não espalhe isso pra não dar fila na porta dela. Ela Gael, vai te levar pra passear muitas vezes com o Theo, seu primo, e espero que você se comporte. A casa dela sempre vai estar entupida, mas de chocolate, é só abrir qualquer gaveta, armário, porta, cofre, geladeira que você encontrará chocolate. E ela fez do seu priminho um chocólatra desde a barriga. O Theo é chocolate puro, por isso que ele é derretido e doce. Então Gael apronte na casa dela, ela não se importa, e saiba também que seu tio só tem cara de bravo, é mole por dentro, e cara bom, altruísta, nem parece cunhado. Saiba que pode contar com ele a qualquer momento. Saiba que ele é "o" médico, não simplesmente um médico. Competente e sério, é médico que tenta dar rasteira na feiura de alguns e algumas, faz sumir feiurinhas, faz lanternagem em gente. Qualquer dia vou precisar fazer uma revisão com ele. 


   
   Desejo Gael que você ame viajar, como seus pais amam. Papai e mamãe são completamente aficionados pelo mundo. Desejo que veja o mundo com olhos cuidadosos, curiosos e perscrutadores. Saiba que tem uma frase que seu pai adora, de um famoso navegador chamado Amyr Klink, que eu conheço desde adolescente e que diz o seguinte: “Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.

   Desejo que ame aviões e seja apaixonado por aeroportos. Aeroportos são lugares muito especiais. Preste atenção em tudo que estiver à sua volta quando estiver em um. Desejo que se perca bastante pelo mundo, desejo que você Gael seja um péssimo manuseador de mapas, ou tenha um senso de direção precário como seu pai, e em se perdendo por aí, mais e mais você vai ver que se achou. Se precisar de ajuda, peça pra alguém, mas antes de pedir faça uma leitura da cara da pessoa que você irá pedir ajuda. Antes de olhar, veja bem. Eu sou ótimo nisso, e não sei como aprendi, mas sei que vai ser o seu feeling, e confie nele. Eu gostaria de vender um pouco de feeling, o meu funciona.

   Desejo que eu possa ajudar você um dia a fazer a programação de sua viagem, e já estou aqui pensando no mochilão que um dia você fará pela Europa com seus amigos como seu pai fez aos 25 anos. Foi uma viagem incrível. Te juro que aconteceu de tudo e jamais me esqueci destes anos bons.

   Saiba que você já tem um mochilão muito bom pra suas viagens, e saiba que esse mesmo mochilão que um dia você vai usar já foi meu companheiro de muitas ocasiões, então tome cuidado com ele, leve-o sempre com você, e lembre que ninguém no mundo precisa de mais do que nele cabe, mesmo pra fazer uma viagem de volta ao mundo. Tenha poucas coisas, poucas roupas, e pouco tudo, e saiba que é melhor ter uma coisa realmente boa do que ter muitas que não valem nada. Seu pai tem algumas roupas que já duram quase vinte anos, botas de 10, camisas e calças de 15, e elas continuam perfeitas. Menos é mais. Papai tem fotos do ano de 2001 com uma bermuda que ainda tenho no armário, jaqueta de 1997 que ainda uso.


   
  Desejo que conheça Paris, essa cidade me encanta, desejo que ande por toda ela, e que perca o máximo de tempo possível nesta cidade, pois é essa a melhor forma de conhecê-la. Saiba que uma das coisas mais incríveis desta cidade, além de toda beleza explícita, o que seu pai sempre se apega e nunca esquece, é o cheiro possível de ser sentido nas ruelas de croissant amanteigado combinado com os cafés muito bem tirados. Ahhh Gael, desejo muito que lembre da minha lembrança quando por lá estiver. E quando sentir esse cheiro, vai se lembrar de mim. 



   Desejo que vá pra Amsterdam já adulto, e espero que nesta viagem eu e sua mãe ainda estejamos muito bem pra te acompanhar. Cidade única no mundo. Saiba que sua mãe e eu conhecemos cada canto desta cidade, já antecipando aqui que sua mãe Gael fez Doutorado na Holanda no ano de 2008, por um ano, e por todo este período eu estive com ela em um quartinho de 17 metros quadrados. E mesmo assim nos sentíamos os reis do espaço infinito. Ou seja, Amsterdam foi nosso quintal. Conheça a África do Sul, especificamente Cidade de Cabo e arredores Gael, que te juro, não tenho vocabulário pra descrever. Aquele lugar a beleza passou da conta, gastou-se horrores em beleza por lá.

Não tem como eu aqui detalhar onde você talvez gostaria de ir, só posso te dizer e desejar que esgote a Europa, vá pra Ásia, e ande por tudo que puder, com poucas coisas na mala e muitas na cabeça.



  
   Mais aqui vai um desejo especial do papai pra você Gael, vá pra Rússia. É, a Rússia. Seu pai é fascinado por esse país, e sua mãe também achou lindo. Ela chegou a caminhar tanto no inverno congelante do ano de 2014 que saiu sangue nos dedos do pé por causa do aperto da bota. E mesmo assim sua mãe não parava de andar. Desejo que conheça Moscou e São Petersburgo. Fiz uma viagem fantástica com sua mãe pra essas cidades em pleno inverno, e se realmente gostar da alma desse país, vá rumo à Sibéria, como seu pai fez de mochilão até o lago Baikal. Mas vá com cuidado. Espero que eu possa te levar pra lá quando você tiver uns 15 anos de idade. Se não formos juntos por algum motivo, vá você quando estiver grande ao ponto de poder se defender. Desejo mesmo que por mim pegue o expresso Transiberiano, vá até a cidade de Irkutsky, de lá pegue uma carona até a cidadezinha de Lystyvianka, e então conheça o lago Baikal. Vá no verão, é claro, e quando chegar ao Lago Baikal saiba que ali seu pai ficou sentado, olhando perdido a vastidão, tomou um gole de água do Lago, pegou uma pedrinha de lembrança, e voltou pra trás. É assim que as coisas são. E volte vivo. A Rússia é demais.

  Claro que nem preciso dizer pra conhecer o Brasil, vamos juntos também conhecê-lo. E Minas Gerais já te digo, que é um mundo, o mundo da gente. Estado mais rico não há. Vai saber um dia Gael, que mineiro a gente não entende, interpreta. Frei Beto já dizia “que Mineiro não fica louco; piora. Por isso em Minas não se diz que alguém endoidou, mas sim que se manifestou”. Mineiros meu filho, como nós, podem falar por horas e horas, sem dizer nada que preste. Sinto orgulho disso.

   Desejo Gael que você goste de ler como seu pai. Aqui vai uma parte especial desta cartinha meu filho, que é sobre leitura. Saiba que você já é, antes mesmo de nascer, um menino rico, bem rico. Duvido que algum coleguinha seu tenha a biblioteca que você já tem. Quem sabe este seja o maior patrimônio que deixarei pra você, uma coleção considerável de grandes clássicos da humanidade, livros geniais, essenciais, que com tanto cuidado eu venho colecionando e lendo há vários anos. Sua biblioteca é linda, completa, pesada e toda sua.

Cuide dela com zelo, admiração, ela é linda. Ponto de visitação em nossa casa, diria eu. Saiba que os livros criam em torno de si um campo eletromagnético extremamente poderoso, capaz de gerar energias benéficas. Então, todas as vezes que estiver em uma biblioteca, preste atenção no ambiente. Ele é diferente, me encanta. Conheço livrarias e bibliotecas pelo mundo que são inimagináveis. Você irá perceber isso um dia.

Então, quando tiver vontade e entendimento pra começar a mexer nos livros do seu pai, que já te dou agora antes mesmo de você nascer, cuidado, eles são perigosos, mas no bom sentido. Como dizia Guimarães Rosa, “Dá susto se saber”!!, oh se dá.


   Vou tentar ser breve aqui em meus desejos que te jogo aos ombros. Saiba do maior livro da humanidade: Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Seu pai tem duas edições, uma raríssima, de 1958, e outra novinha. Leia a nova edição, pois a velha daqui uns 20 anos, quando você tiver maturidade pra absorver este livro dos céus, provavelmente vai estar bem acabadinha, já soltando pedaços de papel, mas veja as ilustrações que existem nesta edição, pois são lindas.

Leia esse livro ao longo de sua vida algumas vezes se gostar, e não se impressione com o tamanho da obra. Tome Dom Quixote e Sancho Pança como seus amigos reais, converse com eles ao longo de sua vida, pense a fundo neste livro, ele tem o poder real de mudar as pessoas, portanto, mudar o mundo. Ao final deste livro, dependendo de seu entendimento, de sua idade, de seu humor, dois caminhos se abrem, um da loucura completa, do desatino, ou o da desilusão, da incompreensão. Depende de você Gael. Boa sorte com este livro. 

 

   Vá um dia meu filho na parte dos autores russos, meus grandes amigos. Leia Dostoievisky, Nabokov, Tolstoy. São leituras que desejo que inicie quando estiver mais bem preparado. Pule para os grandes portugueses, como Saramago, Fernando Pessoa, leia George Orwell e tome cuidado, coma os livros do Gênio Gabriel Garcia Marques e entenda a fundo a palavra Macondo, seja amigo de Friedrich Nietzsche, saiba que eu e sua mãe tivemos um cachorro com o mesmo nome deste escritor, um labrador branco maravilhoso que muito me fez chorar, leia Mario Vargas Llosa, se aventure com Willian Shakespeare. Abras os olhos com Franz Kafka, esse cara sim é estranho, estude Richard Dawkins e Erasmo de Roterdan, e se estresse com Guimarães Rosa, em “Grande Serão Veredas”, esse mineiro é o acima da média. Falava 12 línguas diziam, mais do que seu avô Gael, e elevou Minas Gerais ao Espaço. Saiba que esse mineiro de Cordisburgo foi e será um dos grandes da literatura mundial, e ele que dizia o seguinte: 
 

O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isto que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é às brutas: mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza. A pois: um dia, num curtume, a faquinha minha que eu tinha caiu dentro dum tanque, só caldo de casca de curtir, barbatimão, angico, lá sei – “Amanhã eu tiro ...” – falei, comigo. Porque era de noite, luz nenhuma eu não disputava. Ah, então saiba: no outro dia, cedo, a faca, o ferro dela, estava sido corroído, quase por metade, por aquela aguinha escura, toda quieta. Deixei, para mais ver. Estala, espoleta! Sabe o que foi? Pois, nessa mesma da tarde, aí: da faquinha só se achava o cabo... O cabo – por não ser de frio metal, mas de chifre de galheiro. Aí esta:  Deus... Bem, o senhor ouviu, o que ouviu sabe, o que sabe me entende...”

Portanto Gael, contemple a biblioteca do seu pai, pois olhando pra ela, você vai estar olhando pra mim.

   Desejo que admire a arte e a ciência, admire o mistério meu filho. Isto sim é uma emoção real que um homem pode sentir. Abra seus olhos para esse encanto, sinta estupefação, admiração pelo insondável, pelo incerto, pelo distante e pelo espaço infinito. Saiba que eu sinto muito bem em perceber minha pequenez. Me faz melhor.

   Desejo Gael que você goste de cozinhar como seu pai. Cozinhar é uma arte, é um dom. Mas se não levar jeito, pelo menos se empenhe o mínimo pra fazer algo que você goste muito de comer. Cozinhar te faz independente de alguma maneira, cria amigos, altera a substância das coisas. Experimente tudo que parecer interessante, pois comer é forma de percepção sutil, profunda, te deixa mais inteligente. Abra os leques e quebre a intolerância nesse universo infinito dos alimentos. E lá em casa Gael, quem manda na cozinha sou eu, pode perguntar sua mãe. Cuidado com as panelas, temperos, copos e facas do papai. Ele é chato só nesse ponto. E saiba Gael, que se quiser, te ensino tudo, um dia quem sabe, a fazer muita coisa boa.


   Desejo Gael que você goste de jogar tênis, como seu pai tanto gosta. É um esporte completo, desenvolve o intelecto e a coordenação. Saiba que essa sim foi uma das coisas que realmente fiz bem em minha vida, e ainda faço um pouquinho, eu acho. Espero que possamos jogar qualquer dia, e espero que se um dia jogar, ganhe logo de mim. Contemple e admire os troféus que seu pai um dia ganhou, acho que são mais de trinta, e orgulhe-se deles. Foi muito importante pra mim. E desejo que um dia junte os seus aos meus. Saiba que teve um jogador chamado Roger Federer que foi e será o maior de todos os tempos, pena que já esta quase aposentando. Você não o verá jogar. Veja alguns jogos dele na internet. Quando ele parar de jogar, o tênis não será como antes. Mas outros grandes virão. Quem sabe você.

   Desejo Gael que você acredite não em um só Deus, mas em vários, ou melhor, acredite nas Deusas.

   Desejo que você encontre seu credo, ou caso não encontre, não se preocupe, nem se sinta diferente, ele já está guardado com você, no fundo. Não te desejo o ateísmo, ele é por demais duro, e pesa dolorosamente sobre os ombros de um homem. Haja couraça pra suportá-lo. Conheça a fundo a palavra agnóstico, estude sobre, e muito. Na sua biblioteca tem muitas coisas legais pra você ler a respeito. Seu pai tem muitos livros chamados “proibidos”, mas não pra você. 
 

   Saiba que Mario Quintana sempre dizia que “não importa se você acredita em Deus, o que importa realmente é se ele acredita em você.” Respeite as forças da natureza, elas são belas e perigosas ao mesmo tempo.

   Desejo que goste de aventuras, de correr um pouco de risco, te desejo sorte, já que seu pai teve muita.

   Não posso ficar dizendo pra você “não faça isso nem faça aquilo”, só posso alertá-lo das implicações que pode gerar um ato impensado.

   Lembro que sua avó sempre me alertava sobre o perigo das coisas etc, mas no fundo ela sabia que dependendo da pessoa, eu no caso, ela só poderia torcer, eu era causa perdida, mais nada, pois ela sabia que logo alguma coisa diferente eu estaria aprontando. Saltei de paraquedas, voei de parapente, pulei de bungee jump, fiz acrobacias em avião de guerra, adoro esquiar com muita velocidade, mergulhei na jaula pra ver o tubarão branco no congelante oceano índico, e te digo que é bom, te faz sentir vivo. Sempre senti medo de uma coisa Gael, medo de não viver e também de deixar as pessoas próximas de mim tristes, caso eu não voltasse bem, então, faça tudo com responsabilidade.

   Saiba que lá no sul do Brasil, você meu filho, tem vó, vô e tia. Gaúchos. Todos são muito legais, até minha sogra. Ela quando soube que você viria menino, fiquei sabendo que ao telefone ela deu um grito, grito mesmo, de alegria. Sua vó Dilce queria menino, e muito. Acho que cansou de mulher, teve duas filhas né!! Saiba que sua vó vai te ver chegar, vai estar aqui quando nascer, e vai te ajudar muito. Ela é meio molenguinha Gael, no bom sentido, então tome conta dela. Seu vô Dirceu, esse é meio complicado, não sai muito de casa, acha que o Rio Grande do Sul vai ser invadido pela Argentina, sei lá.



  Seu vô Dirceu é engraçado, ele faz umas coisas estranhas, apaga uma baita churrasqueira que tem em casa com um baita balde de água, queima isopor e latinha dentro de casa na lareira, mas sempre que eu chego lá tem carne, lenha e cerveja à minha espera.

   Tem sua tia Fernanda, irmã da mamãe, que até que enfim se juntou com alguém. Ia ficar solteira, eu apostava nisso. Ela vive no whatsapp mas quando você for lá Gael ela vai te dar muita atenção.



   Você Gael logo logo vai lá no sul pra visitar todos eles. Sei que estão todos ansiosos por vê-lo.

   Tem ainda sua bisavó Gael, paixão de sua mãe, a vó Silda, moradora de Porto Alegre, batalhadora e que foi literalmente quem pegou sua mãe pelo braço pela primeira vez e a fez ver que o mundo tinha fronteiras muito maiores das que as observadas geralmente dessas pequenas cidades do interior, e a Vanessa mordeu a isca que sua bisavó lançou, a isca da curiosidade.



  
   Desejo que você meu filho escolha a profissão que achar melhor, qualquer uma que te faça bem, te deixe bem, e que te traga felicidade. Se tiver veia de artista, que vá parar até no circo se for o caso. Hoje em dia têm ótimos circos pelo mundo, e pagamos caríssimo para vê-los. Estude línguas, de forma intensa, é essencial pra tudo, converse, seja amante da fala, das relações reais, de interações verdadeiras, cuidado com a tecnologia em excesso, ela emburrece a alma, superficializa as emoções, bloqueia os sentidos e reduzem a capacidade de ser gente. Seu pai provavelmente é um dos últimos que só utiliza internet quando está em casa ou no escritório. Me conecto quando eu quero, prefiro estar desconectado, e se quiserem falar comigo, me liguem. Mas isso Gael, daqui alguns anos, quando você estiver grandinho, não sei onde tudo isso vai ter parado. Mas saiba que será perigoso nesse ambiente virtual parecer sábio em um ambiente de tolos meu filho. Se prepare.

   Te deixo outra riqueza enorme Gael, que nenhum coleguinha seu provavelmente tenha, um patrimônio muito legal que logo você vai poder apreciar, e que espero deixe sempre organizado e bem cuidado. Pode mostrar pra quem quiser a coleção de fotos impressas, ou melhor, fotos reveladas, que eu e sua mãe fizemos de todos os lugares que fomos visitar pelo mundo. São mais de 3 mil fotos impressas até o dia de hoje, todas organizadas em álbuns. Você vai ver seus pais desde novinhos, vários momentos, lugares, pessoas, cada foto tendo uma importância sem igual. Pois elas sim, as fotos, revelam o momento, congelam a maldade do tempo, eternizam o que a memória busca esquecer. As fotos jogam contra o esquecimento, elas riem da perda de memória e nos fazem lembrar quão valiosos são os dias vividos intensamente.

   Saiba Gael, que essas fotos revelam muito, revelam quem viveu a vida sem se poupar, com alma, e sentiu todas as cargas em seus nervos, revelam que podemos envelhecer sem remorsos. Isso é uma sabedoria meu filho.

Carta já terminando meu filho, fique calmo. Agora é ela.

   Sempre me disseram Gael que eu tenho a capacidade de atrair pessoas diferentes, estranhas, talvez exóticas, problemáticas inclusive. Sempre gostei disso, não dou muito certo com o convencional, com regras e aparências. Por tudo isso, atraí uma pessoa extraterrestre, de outro mundo ou planeta, sei lá. 
 

   Essa pessoa é sua mãe Gael. Somos sortudos demais, temos a ela, e sei que agora em diante você será o centro das atenções, mas não me importo. 

 

    Desejo que saiba que sua mãe teve origem simples, humilde, em que foi dado a ela somente duas opções para ser gente na vida, a primeira era estudar, e a segunda também. Então, diante dessas duas alternativas sua mãe foi além. Ela simplesmente saindo de um colégio público em uma pequena cidade do interior de Rio Grande do Sul, chamada Palmeira das Missões, entrou na Universidade Federal de Pelotas, e depois de graduada ouviu falar de uma cidade chamada Lavras, que acho que nem no mapa ela teve curiosidade de localizar, mas sabendo do ótimo curso de pós graduação existente na UFLA, ela pegou uma malinha capenga e viajou de ônibus por quase dois dias até chegar aqui nesta cidade. Ela tinha uma pessoa somente conhecida na cidade, só isso. Mas não acabou Gael os feitos da sua mãe, pois ela concluiu de forma rapidíssima o mestrado, já adentrando ao doutorado, tendo ela Gael concluído o doutorado simplesmente na Wageningen University, na Holanda, considerada na área de atuação de sua mãe simplesmente a melhor Universidade do mundo. E o detalhe final, no dia da defesa da tese de doutorado, fiquei sabendo que foi a primeira aluna da Ufla a defender uma tese em inglês, e que foi a primeira vez que os membros da banca, incluindo o orientador holandês que veio especialmente ao Brasil, vestiram terno e gravata. Realmente Gael, sua mãe é especial. Tem todas as fotos pra você ver em casa. E papai estava lá.

   Tenho quase certeza que você Gael foi o único menino que escutava música clássica diariamente ainda na barriga de sua mãe, essa Vanessa hein!!! Todos os dias ela colocava Vivaldi pra você ouvir, telefone ao lado da barriga. Era pra você acalmar, mas quando começava a música, você se agitava todo, ficava de murrinhos e pontapés. Será que você estava batendo palmas?

   Outra coisa que quero que você saiba é que por vezes eu via sua mãe conversando com você ainda na barriga, como se menininho você já fosse. Eram altos papos. Queria saber o que você entendia disso.

   Escute sua mãe Gael, ela é muito mais inteligente do que você um dia poderá imaginar, ela poderá fazer a diferença. Ela já faz a diferença para um grande numero de pessoas e alunos, é adorada por eles, principalmente pelos bons.


   Sua mãe Gael é pioneira no Brasil, trabalha atualmente com Canabis sativa, e suas aplicações com medicamentos, ela é uma das primeiras a atuar com essa planta sagrada para a ciência. Pode ser que quando você ler essa carta a aplicação científica desta planta já esteja disseminada em nossa sociedade e seja de conhecimento de todos os seus benefícios. Mas hoje meu filho, mamãe é inovadora.

Então Gael, ajude sua mãe, seja companheiro dela, saiba que você é simplesmente o tesouro que ela tanto esperou. E quando realmente precisar de ajuda ou alguma palavra, ela terá a certa. Sorte a nossa.



   E lembre Gael, que essa carta escrevo por desconfiado que sou das coisas. Já prefiro deixar escrito, vai saber, mas pode ser que nós dois logo a leiamos um dia, e a cumpramos para nosso riso. Como dizia Guimarães Rosa, “viver é negócio muito perigoso”. Mas só assim que vale a pena.


Lavras, 14 de maio de 2018, cento e seis dias para seu nascimento. Seu pai.